quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Salve-se quem puder - Parte I



Salve-se quem puder - Parte I


Esta estória para uns poderá até ser corriqueira, entretanto para outros, creio que a maioria dos leitores, será um tanto particular.

Século XX, o mundo explodindo de novidades: novas tecnologias; novos estilos musicais; tendências da moda na França e Itália influenciando toda a América; novos Estados europeus; o Brasil com nova moeda estabilizada; a Constituição Federal de 88 com pouco mais de uma década, os Jogos Olímpicos de Atenas por virem... Porém, naquela pequena província, parecia que ainda estava iniciando o século XIX. Tudo estava andando num movimento retrógrado. Enquanto, até as cidades vizinhas, conseguiam quase que acompanhar as mudanças ocorridas, seja no plano social, político, econômico ou religioso, as pessoas daquele pequeno município eram totalmente escassas de qualquer perspectiva de futuro, só conseguiam enxergar algo que perpassasse a noite do tempo se concernisse à política ou eleições municipais e estaduais.

Apesar de todos os pontos desfavoráveis aos moradores, havia ainda, vantagens em residir naquele lugarejo. Se fosse criança, poderia brincar nas ruas e calçadas da vizinhança sem preocupação, pulando os muros para subir no pé de ciriguela ou de cajarana, ir ao sítio da família para tomar banho de rio ou de açude, andar de bicicleta ou patins no meio da rua, afinal o trânsito de veículos era muito pouco. Os adolescentes podiam ir ao clube da cidade aos finais de semana para almoçar e tomar banho de piscina, já que em quase nenhuma casa existia piscina; em época de São João as festas juninas eram inúmeras nas cidades circunvizinhas e o forró sempre era o gênero musical que monopolizava o gosto da moçada. Os adultos não tinham a preocupação de acordar duas horas antes de ir ao trabalho, visto que podiam até ir andando; não se preocupavam também em ter de esperar o dia mais viável para fazer compras com o cartão, uma vez que, podiam ter as chamadas "contas" nos estabelecimentos comerciais, uma espécie de crédito na praça, e as vendas com o cartão de crédito ainda nem tinham chegado ao comércio local. E os idosos então, sempre os mais religiosos e possuidores de uma fé dogmática de invejar qualquer cristão, tinham à disposição os trabalhos diários realizados nas igrejas. Mal usavam algum transporte automotor, pois eram sempre muito saudáveis, iam à feira de frutas e verduras (feira de segunda-feira) e voltavam com sacolas enormes carregadas de alimentos, embora a renda mensal fosse limitada.

Uma característica que se tornava muito interessante por ser comum a todos os gêneros e faixas etárias, era a de sentar nas calçadas para fazer um balanço sobre a vida dos moradores. Todos sabiam o que estava se passando no relacionamento, na saúde, na família que morava na capital, no salário da empregada, com os filhos do vizinho ou do fulano que é afilhado do Sr. Antonio da Padaria São Sebastião perto da Borracharia Pneu do Bom. E se fosse o filho do prefeito ou de algum vereador, este é que era monitorado pelos vigilantes das calçadas que tinham a vida deles inteirinha na ponta da língua. E coitados que ainda eram submetidos a conversas um tanto criativas, pois de boca em boca um assunto era espalhado, chegando até seus ouvidos de forma totalmente deturpada do que acontecera de fato.

Continua...
 
Raissa P. Palitot Remígio.