domingo, 3 de abril de 2011

Aquele Natal especial

A avó era sempre a primeira a chegar à ceia natalina, mas antes assistia à missa na Paróquia em que o falecido marido fora padre, antes de casar com ela. Muito bonita, usando meia-calça, saia rodada, blusa de renda amarela. Os sapatos, não muito altos, reluziam. A maquiagem, impecável, assim como os cabelos bem penteados, sem que tivesse um fio branco aparecendo ou nascendo. O motorista a ajudava a levar os presentes para os filhos, netos, genros, sogras, noras e afilhados. Nunca se esquecia de ninguém. Ela passava o mês de dezembro inteiro pesquisando o preço de tudo que queria comprar e pedia a Rosa, sua empregada, para tentar descobrir de que seus parentes precisavam.

A família chegava, quase toda, no mesmo instante, parecia até combinado. A alegria exavala um cheiro que só era sentido naquele dia especial. As conversas não paravam entre os círculos que formavam aos poucos. O tio Frank, cinquentão, só gostava de conversar com os garotos, para contar as suas experiências da época em que era universitário e ouvir as aventuras que os jovens tinham para narrar. Bebia wisky com água de coco e sem gelo. Sempre saía da festa embriagado e cantando Nelson Gonçalves ou Roberto Carlos ("Quando eu estou aqui, eu vivo este momento lindo").

Na hora de abrir a mesa à ceia, a filha mais nova discursava ou lia uma poesia sobre o Natal. Alguns prestavam atenção, outros não, mas todos a aplaudiam no final, parabenizando-a um a um. Havia os que comiam muito, e os que nada provavam por causa da dieta do verão. Geralmente eram os netos e as netas mais vaidosas que veraneavam no litoral.

Certo ano, a avó adoeceu no penúltimo mês do ano, e o clã ficou adrede triste. Não queriam organizar a festa natalina, porque a anciã encontrava-se debilitada na UTI, coberta de tubos, lençóis e sobrevivendo à base de aparelhos e de fortes doses de remédios. O filho médico sentia-se incapaz por não poder agir em favor da vida de sua matriarca, e o que era advogado corria, para regularizar as dívidas dela. Todos rezavam pela sua saúde, até a neta que dizia ser ateia.

Naquele ano, no dia 24 de dezembro, à meia-noite, o coração dela parou, o médico saiu da sala da UTI e disse para os que esperavam no lado externo:

- Ela morreu para nós, mas acaba de nascer para os que a esperam no céu.

Deveras o Natal não seria mais sinônimo de alegria para os parentes da avó.