sábado, 13 de outubro de 2018

Cinco filhos e uma prisão para cada

E, na sala de audiência, em meio a várias audiências de Execução Penal, inicia a dele.
Pena de 4 anos. Iria para o regime aberto. Ficaria na Cadeia Pública do final da tarde da sexta-feira até a manhã da segunda-feira. Toda semana. 

- Mas, Dotora, eu tenho 5 filhos, crio todos sozinho. Não tenho condições de dormir na Cadeia um dia sequer.
- O Senhor tem 5 cinco filhos?
- Sim, Dotora, 5. Tudo pequeno.
- E cadê a mãe desses meninos?
- Foi simbora pra São Paulo.
- E são todos da mesma mãe?
- Tudo da mesma mãe, Dotora. Tudinho.
- O Senhor tem 5 filhos, todos da mesma mãe?! - A pergunta é reiterada em tom de desconfiança...
- Sim, Senhora. Não tem ninguém pra cuidar deles, se eu for dormir na Cadeia. Minha mãe é doente do coração. Não tem vizinho, parente, ninguém. Só eu mesmo.
- Não é possível que não tenha ninguém pra ficar com seus filhos só enquanto o Senhor passa o final de semana na Cadeia!

Até que eu intervenho e requeiro o cumprimento da pena em regime domiciliar. O pedido é, de pronto, indeferido, sob o argumento de que o que fora alegado não estava provado. Intervenho novamente:

- Por qual razão ele iria criar uma situação dessa? 
- Não sei. Não está provado. Indefiro. Pode juntar as provas depois e, somente com provas nos autos, analiso o pedido novamente.
- Peço que conste em ata o pedido da defesa! 

Após reiterar o pedido duas vezes e juntar atestado de que a avó paterna possui 70 anos de idade, está acometida de cardiopatia, hipertensão, diabetes e osteoartrose; as cinco certidões de nascimento das crianças - sim, eram, de fato, todas da mesma mãe -, inclusive tendo uma delas síndrome do espectro autista; relatório do Conselho Tutelar detalhando toda a situação narrada na audiência, o pedido, sequer, foi apreciado a tempo.

A tempo de ele saber se o Estado-juiz iria ter empatia por ele, pedir desculpas por ter duvidado dele, da vulnerabilidade dele.

O nome dele era Marcelo. Era e não é mais, porque ele morreu no dia 13 de agosto de 2018, prestes a completar 36 anos de idade. Ele não soube se cumpriria a pena em casa, com os filhos.

Até agora, para o Estado-juiz, Marcelo ainda existe, afinal sua punibilidade ainda não foi declarada extinta, mesmo após o pedido da defesa, com a prova de sua morte, por meio de atestado de óbito - sabe-se lá se, sem o atestado, a dúvida seria novamente suscitada.

Ele, Marcelo, também continua existindo para o Estado-juiz. Isso porque ainda está na lista das pessoas que cumprem pena na Cadeia.

É, Marcelo, não sei quem deveria, mas eu te peço perdão por esse sistema cruel, excludente, insensível. Peço perdão aos seus cinco filhos. Eu vi a foto dos cinco, tirada após sua morte. Estavam sentados em um banco, com olhares perdidos. Uma das tias me falou como você era um bom pai, por isso suas 5 doces crianças eram tão apegadas a você.

E agora, Marcelo, eu continuo a pedir-te perdão, pois ainda não sei com quem suas crianças ficarão...

Raissa P. Palitot Remígio

13/10/2018







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